violência contra a Mulher


A violência contra a mulher tem como origem a construção desigual do lugar das mulheres e dos homens nas mais diversas sociedades. Portanto, a desigualdade de gênero é a base de onde todas as formas de violência e privação contra mulheres estruturam-se, legitimam-se e perpetuam-se. A desigualdade de gênero é uma relação de assimetria de poder em que os papéis sociais, o repertório de comportamentos, a liberdade sexual, as possibilidades de escolha de vida, as posições de liderança, a gama de escolhas profissionais são restringidas para o gênero feminino em comparação ao masculino. As causas, portanto, são estruturais, históricas, político-institucionais e culturais. O papel da mulher foi por muito tempo limitado ao ambiente doméstico, que, por sua vez, era uma propriedade de domínio particular que não estava sujeita à mesma legislação dos ambientes públicos. Sendo assim, a própria mulher era enxergada como uma propriedade particular, sem direito à vontade própria e sem direito à cidadania forjada nos espaços públicos, não à toa o sufrágio feminino e os direitos civis para mulheres são conquistas recentes em muitos países e ainda não completamente efetivadas em nenhum lugar do mundo. As situações individuais e cotidianas, como sofrer assédio de rua, ter o comportamento vigiado e controlado, não poder usar certas roupas, ser alvo de ciúme, reprimir a própria sexualidade, são sintomas, e não causas, de violações mais dramáticas, como o estupro e o feminicídio. A violência doméstica não é exclusivamente fruto de um infortúnio pessoal, de uma má escolha, de azar. Ela tem bases socioculturais mais profundas, inclusive as mulheres que rompem a barreira do silêncio e decidem denunciar ou buscar por justiça sentem com muito mais força a reação da estrutura de desigualdade de gênero no desencorajamento, na suspeita lançada sobre a vítima ao invés do agressor. A causa estruturante, que é a desigualdade de gênero, é agravada por outros fatores que também potencializam a vulnerabilidade à violência, tais como a pobreza, a xenofobia e o racismo. Embora a violência de gênero atinja todas as mulheres, ela se combina com outros fatores e é sentida de maneira mais dura por mulheres pobres, refugiadas e negras.



Tipos de violência contra a mulher:

De acordo com a tipificação da Lei Maria da Penha, Lei nº 11.340/2006, são cinco modalidades de violência contra a mulher: Violência física: qualquer ação que ofenda a integridade ou saúde corporal. Violência psicológica: qualquer ação que cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação, como:

- constrangimento
- humilhação
- ridicularização
- isolamento
- perseguição
- chantagem
- controle etc.

Violência sexual: qualquer ação que limite o exercício dos direitos sexuais ou reprodutivos, como:

- coação a presenciar ou participar de relação sexual indesejada
- impedimento do uso de método contraceptivo
- indução ao aborto ou à prostituição etc.

Violência patrimonial: qualquer ação que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos, bens, recursos, documentos pessoais, instrumentos de trabalho etc. Violência moral: qualquer ação que configure calúnia, injúria ou difamação.



Violência contra a mulher no Brasil

O Brasil tornou-se referência mundial com a Lei Maria da Penha, de 2006, que, além de propor penas mais duras para agressores, também estabelece medidas de proteção às mulheres e medidas educativas de prevenção com vistas a melhorar a relação entre homens e mulheres. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2018 foram aplicadas cerca de 400.000 medidas protetivas. Os casos em que a medida protetiva é insuficiente para impedir o feminicídio são percentualmente pequenos, portanto, esse é um mecanismo eficaz de proteção a mulheres. Ainda de acordo com o CNJ, correm na Justiça brasileira mais de 1 milhão de processos relacionados à Lei Maria da Penha. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2018, a maioria das vítimas de feminicídio foram mulheres, negras, com baixa escolaridade e idade entre 30 e 39 anos, sendo que:

-61% eram negras;
-70,7% haviam cursado somente o Ensino Fundamental;
-76,5% tinham entre 20 e 49 anos.
O panorama apresentado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública é alarmante:
-1.206 feminicídios
-263.067 casos de violência corporal dolosa
-66.041 estupros

As três modalidades de violência contra a mulher são cometidas majoritariamente por homens próximos, da convivência familiar. Lembre-se de que falamos dos casos notificados. Essas estatísticas significam que, a cada 7 horas, uma mulher é assassinada no Brasil, a cada 2 minutos, há um registro de lesão corporal. Ocorrem 180 estupros por dia no Brasil, mais da metade deles contra meninas menores de 13 anos. O Atlas da Violência, de 2019, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), aponta que num intervalo de 10 anos, entre 2007 e 2017, o feminicídio praticado no Brasil aumentou 30,7%. Outro levantamento feito pelo Instituto DataSenado, Pesquisa Nacional sobre Violência Doméstica e Familiar, revela uma tendência de mudança no perfil do agressor. Entre 2011 e 2019, a violência contra mulheres foi praticada em maior percentual pelo atual companheiro, porém, esse perfil demonstrou, nesse intervalo de tempo, uma inclinação à queda. Em 2011, 69% das agressões foram praticadas pelo atual companheiro, em 2019, esse percentual foi de 41%. Já o número de agressões cometidas por ex-companheiros cresceu, em 2011, eles respondiam por 13% dos casos de violência doméstica, em 2019, eram 39%, tecnicamente empatados com o companheiro atual.



Consequências da violência contra a mulher

A violência contra a mulher é uma das principais formas de violação de Direitos Humanos hoje no mundo. É um tipo de violência que pode acometer mulheres em diferentes clivagens etárias, econômicas, étnicas, geográficas etc. A ameaça iminente e mesmo potencial de sofrer essa forma de violência restringe as liberdades civis das mulheres e limita suas possibilidades de contribuição econômica, política e social para o desenvolvimento de suas comunidades. A violência contra a mulher bem como todas as formas de violência sobrecarregam sistemas de saúde dos países. Mulheres que sofrem violência são mais propensas a necessitar de serviços de saúde do que mulheres que não sofrem violência, e, em caso de danos permanentes à integridade física e à saúde mental, elas necessitam de tratamento continuado. Pesquisa realizada no âmbito da área da saúde aponta que entre as principais consequências sofridas pelas mulheres que passam por situação de violência, estão|1|: “sentimentos de aniquilação, tristeza, desânimo, solidão, estresse, baixa autoestima, incapacidade, impotência, ódio e inutilidade”. Entre as doenças que são desenvolvidas, estão:


-doenças inflamatórias e imunológicas
-síndrome do pânico
-fraturas e lesões
-mutilações
-obesidade
-gastrite

Mudanças comportamentais, como:

-dificuldade de relacionamento familiar
-desenvolvimento do hábito de fumar
-dificuldades sexuais e obstétricas
-maior propensão a acidentes
-insegurança no trabalho

Portanto, as consequências da violência contra mulheres são multidimensionais e afetam desde o âmbito familiar até o mercado de trabalho e a saúde pública.



História da violência contra a mulher

A violência contra a mulher é produto de uma construção histórica — portanto, passível de desconstrução — que traz em seu seio estreita relação com as categorias de gênero, classe e raça/etnia e suas relações de poder. Por definição, pode ser considerada como toda e qualquer conduta baseada no gênero, que cause ou passível de causar morte, dano ou sofrimento nos âmbitos: físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública quanto na privada. A Organização das Nações Unidas (ONU) iniciou seus esforços contra essa forma de violência, na década de 50, com a criação da Comissão de Status da Mulher que formulou entre os anos de 1949 e 1962 uma série de tratados baseados em provisões da Carta das Nações Unidas — que afirma expressamente os direitos iguais entre homens e mulheres e na Declaração Universal dos Direitos Humanos — que declara que todos os direitos e liberdades humanos devem ser aplicados igualmente a homens e mulheres, sem distinção de qualquer natureza. Desde então, várias ações têm sido conduzidas, a âmbito mundial, para a promoção dos direitos da mulher, e, no que compete ao Brasil, uma série de medidas protetivas vêm sendo empregadas visando à solução dessa problemática. O escopo deste artigo é apresentar a evolução das medidas protetivas e políticas públicas empregadas no cenário brasileiro no combate à violência contra a mulher. As considerações aqui realizadas tomam como norte a análise interpretativa pautada dentro da perspectiva de gênero e resultam em uma avaliação sobre como têm evoluído essas políticas e o que delas se pode esperar, no sentido de que se possa avançar em direção a uma sociedade mais igualitária e justa em relação ao respeito dos direitos da mulher.